Mercedes
Marcilese
Silmara
Dela Silva
1)
Introdução
Quando
o assunto é estudo da linguagem, cada proposta teórica
decide qual aspecto será tomado como central e quais serão
considerados periféricos ou não tão relevantes. Nesse sentido, as
palavras de Saussure continuam vigentes até hoje: “bem longe de
dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto
de vista que cria o objeto”
(SAUSSURE,
2005, p. 15).
2)
A
Evolução
do
Pensamento
Linguístico:
Estruturalismo e
Gerativismo
a)
O Estruturalismo Europeu:
A
linguística estrutural nasceu em 1916, com
a publicação do Curso
de Linguística Geral, de
Saussure.
Em
uma de suas ideias-chave, Saussure concebe a língua como uma
organização que denomina sob o termo de sistema.
Foi Roman Jakobson – de quem, com certeza, você também já ouviu
falar – quem empregou pela primeira vez o termo estruturalismo,
utilizando o conceito de estrutura
para
se referir a essa organização. Na perspectiva de Saussure, os
elementos linguísticos não teriam nenhuma realidade independente da
sua relação com o sistema como um todo.
Podemos
dizer que, com sua demonstração da arbitrariedade do signo
linguístico e com a concepção de que a língua é um sistema de
valores constituído por diferenças puras, Saussure funda uma
nova disciplina, autônoma em relação às outras Ciências Humanas.
Essas seriam, portanto, suas principais contribuições.
No
Curso,
são estabelecidas duas distinções fundamentais que, em conjunto,
significaram uma ruptura completa com a tradição neogramática
anterior, isto é, com a linguística histórico-comparada.
A
primeira é a distinção entre análise descritiva (sincrônica)
e histórica (diacrônica).
A
segunda diz respeito ao que Saussure denomina respectivamente langue
e parole (em português, língua e fala). Enquanto os
neogramáticos (Junggrammatiker) desenvolvem um estudo da
linguagem, baseado no historicismo e fortemente influenciado pelas
ciências naturais, Saussure traz uma proposta que privilegia a
perspectiva sincrônica.
Com
base na distinção em relação ao estudo sincrônico e no
estabelecimento do eixo da simultaneidade, Saussure constrói a sua
definição de língua como sistema. O método sincrônico constitui
o novo “ponto de vista” a partir do qual Saussure cria seu
objeto: a langue
(em
português, língua).
A
abordagem saussuriana implica ainda uma outra inflexão: o fechamento
da língua sobre si mesma. O signo linguístico saussuriano não é
um nome associado a uma coisa, mas um conceito – significado –
vinculado arbitrariamente a uma imagem acústica – o significante.
Assim, a unidade de análise definida por Saussure exclui o referente
e opõe-se ao símbolo. A língua fica definida como um sistema que
só conhece a sua própria ordem, como uma forma e não uma
substância (SAUSSURE, 1916).
A
proposta de Saussure caracteriza-se por defender um estudo imanente
da língua; em outras palavras, a língua deve ser estudada em si
mesma e por si mesma.
Foi
Roman Jakobson – de quem, com certeza, você também já ouviu
falar – quem empregou pela primeira vez o termo estruturalismo,
utilizando o conceito de estrutura
para
se referir a essa organização.
Sintetizando
o que foi apresentado até aqui, podemos dizer que os princípios
centrais do estruturalismo europeu, que inclui as escolas de Genebra,
Praga, Londres e Copenhague, podem ser resumidos em duas noções
básicas: estrutura e autonomia (BORGES NETO, 2004).
Na
época em que o Curso
começa
a ser divulgado, nos Estados Unidos, Leonard Bloomfield propõe de
forma independente uma teoria geral da linguagem, desenvolvida e
sistematizada sob o nome de Distribucionalismo.
A
linguística bloomfieldiana – representante central do chamado
estruturalismo norte-americano – tem seu ponto de partida na
Psicologia behaviorista, segundo a qual todo comportamento humano
pode ser explicado segundo o esquema estímulo-resposta. Essa tese
recebe o nome de Mecanicismo e opõe-se à perspectiva
denominada mentalista, da qual Saussure faz parte.
b)
O Estruturalismo Norte-americano:
A
proposta de Bloomfield, assim como o behaviorismo de um modo geral,
pode ser definida ainda como empirista. O empirismo defende a visão
de que todo o conhecimento dos fatos vêm da experiência. Segundo
essa ideia, ao nascer, a mente é uma tábula
rasa.
Nossos sentidos não só fornecem evidências para justificar nossas
crenças como são a fonte inicial de conceitos que constituirão
tais pensamentos.
Na
perspectiva de Bloomfield, a linguagem é definida como um conjunto
de hábitos verbais e, conforme os postulados behavioristas, o estudo
da língua deve ser feito a partir de elementos empiricamente
observáveis. Um ato de fala constitui um enunciado (utterance)
e a totalidade dos enunciados que podem ser feitos numa comunidade
linguística (o
corpus,
matéria de análise do pesquisador),
conforme a língua dessa comunidade (BLOOMFIELD. In: DASCAL, 1978, p.
47).
A
tese principal desta perspectiva era que a língua possuía uma
estrutura, entendida como um conjunto de níveis estruturais
(fonológico, morfológico e sintático). A tarefa do linguista
consistiria em descrever essa estrutura, mediante procedimentos de
descoberta, rejeitando tudo o que não fosse diretamente observável.
A
análise distribucional (do
Distribucionalismo) proposta
por Bloomfield e seus seguidores consiste num estudo de corpora
que
tenta encontrar e descrever as regularidades de um modo sistemático
e organizado. Essa análise é
feita
sem levar em conta nem a função nem o signifi cado; a base para a
busca das regularidades é o contexto linear (environment) de
ocorrência dos elementos, ou seja, a posição dos elementos no
sintagma.
A
análise distribucional abrange todos os níveis, desde a fonologia
até a sintaxe (com a análise em constituintes imediatos). Nesta
perspectiva, as únicas generalizações possíveis sobre a língua
são as alcançadas mediante INDUÇÃO
(parte de casos
particulares para chegar a conclusões generalizadas.)
(BLOOMFIELD, 1933, p. 20).
É
importante lembrar que a teorização de Bloomfield, especialmente as
ideias apresentadas em seu livro Language (1933),
desempenharam para a linguística norte-americana um papel tão
importante quanto o Curso no contexto europeu.
c)
O Gerativismo
-
surgiu
no fim da década de 1950
-
como
uma rejeição explícita à linguística bloomfieldiana
-
como
uma crítica direta aos postulados behavioristas
-
parte
do pressuposto de uma faculdade inata da linguagem formulada em
termos de uma Gramática Universal
-
implica
uma mudança da língua-E (língua externa) para a língua-I
(língua interna)
Em
outras palavras, uma passagem do estudo da língua como um objeto
exteriorizado para o estudo do conhecimento da língua – as
chamadas intuições do falante –, internamente representado
na mente/cérebro (CHOMSKY, 1986, p. 43).
No
Gerativismo, o objeto de investigação deixa de ser o comportamento
linguístico e os produtos deste comportamento para passar a ser os
estados da mente/cérebro que fazem parte de tal comportamento: a
competência
linguística (definida
por contraste com o desempenho).
Chomsky
critica o ponto de vista empiricista e mecanicista, e adota uma
interpretação racionalista, mentalista do estudo da linguagem. Para
os racionalistas, a experiência não é a fonte de todo o
conhecimento, mas a mente já vem equipada com um conjunto de ideias,
noções ou conceitos inatos. Esta perspectiva envolve uma mudança
metodológica forte: o gerativismo privilegia o MÉTODO
DEDUTIVO (faz
uso da dedução para
obter uma conclusão a respeito de uma ou mais premissas. Normalmente
constrata com o método indutivo. Raciocínios dedutivos se
caracterizam por apresentar conclusões que devem, necessariamente,
ser verdadeiras, caso todas as premissas sejam verdadeiras. Exemplo:
(i) Todo vertebrado possui vértebras. (ii) Todos os mamíferos são
vertebrados. (iii) Logo, todos os mamíferos têm vértebras.)
e
postula o FALSIFICACIONISMO
POPPERIANO (Também
denominado falseabilidade,
falsificabilidade
ou
refutabilidade
é
um conceito importante na epistemologia e foi proposto pelo filósofo
Karl Popper como solução para o chamado problema
da indução.
Para que uma afirmação ou uma teoria possa ser refutável, deve ser
possível fazer uma observação ou uma experiência física que
tente mostrar que essa asserção é falsa. Por exemplo, a afi rmação
"todos os cisnes são brancos" pode ser falseada pela
observação de um cisne preto)
como
condição na formalização das suas hipóteses, e a adequação
explicativa como
nível de avaliação que a teoria deve atingir.
d)
O que é mesmo o Estruturalismo Linguístico?
Voltemos
agora à questão que fi ou em aberto: o que é mesmo o
Estruturalismo linguístico? Segundo Mattoso Câmara (MATTOSO CÂMARA
JR. In: FOUCAULT, 1968), podemos considerar que o Estruturalismo em
Linguística constitui um ponto de vista epistemológico, defi nido
fundamentalmente por um objetivo comum: consolidar a Linguística
como uma ciência autônoma. O surgimento do Gerativismo, por sua
vez, pode ser considerado como um outro estágio, uma nova etapa na
evolução do pensamento linguístico, uma verdadeira revolução que
marca uma ruptura com os desenvolvimentos anteriores de forma análoga
ao
que aconteceu com a proposta do próprio Saussure, em sua época.
e)
Quais são as principais diferenças entre o Estruturalismo
Saussuriano e a proposta de Bloomfield?
Como
vimos, o objeto de estudo da linguística para cada um desses
pesquisadores é radicalmente oposto. A língua para Saussure
é uma entidade mental, psíquica e coletiva, social (é a mesma para
todos os falantes de uma comunidade linguística). A linguagem,
para objeto empiricamente observável. É, mais ainda, o corpora
(conjunto de enunciados), base da análise distribucional, formado
por enunciados concretos, ou seja, são parte da fala, o lado
individual e físico da linguagem, segundo Saussure. Em síntese,
ambas as perspectivas são opostas na medida em que Saussure tem uma
visão mentalista (o objeto da Linguística é para ele uma entidade
mental, forma, e não substância) enquanto que Bloomfield defende
uma postura empirista e mecanicista (o objeto da Linguística é
empiricamenteobservável, o resultado de um comportamento).
Bloomfield, é um conjunto de comportamentos verbais, isto é, um
objeto empiricamente observável. É, mais ainda, o corpora
(conjunto de enunciados), base da análise distribucional, formado
por enunciados concretos, ou seja, são parte da fala, o lado
individual e físico da linguagem, segundo Saussure. Em síntese,
ambas as perspectivas são opostas na medida em que Saussure tem uma
visão mentalista (o objeto da Linguística é para ele uma entidade
mental, forma, e não substância) enquanto que Bloomfield defende
uma postura empirista e mecanicista (o objeto da Linguística é
empiricamente observável, o resultado de um comportamento).
3)
A Linguística dos anos sessenta: A Guinada Pragmática
Vamos
observar que, aos poucos, o foco na estrutura abstrata da
língua (como no caso da língua, para Saussure, e da
competência, para Chomsky) começa a perder seu papel quase
hegemônico na Linguística, ao mesmo tempo em que outrosf enômentos
subjacentes relacionados à linguagem começam a ganhar um espaço de
destaque em seus estudos.
Quando
vinculamos a noção de pragmática à
Linguística – ou seja, a ciência que se ocupa do estudo da
linguagem natural –, ela pode ser definida como o campo que estuda
os fatores que determinam nossas escolhas linguísticas na interação
social e os efeitos que essas escolhas podem
ter sobre as outras pessoas (WEEDWOOD, 2002).
Em
linhas gerais, podemos dizer que a Pragmática se preocupa com
a língua em uso.
São
fatores de ordem pragmática os que determinam que e como
dizer em cada situação específica.
São
fatores que influenciam diretamente na construção dos enunciados: o
interlocutor, a situação comunicativa e a própria intenção de
fala~.
O
desenvolvimento da Pragmática como um campo de estudos específico
dentro da Linguística se relaciona diretamente às ideias de três
filósofos: John L. Austin (iniciou a Teoria dos Atos de
Fala), John Searle ( complementou os estudos da Teoria dos
Atos de Fala) e Herbert Paul Grice (estudos sobre o significado
dos enunciados – incluindo as noções centrais de implicatura
conversacional, pressuposição e subentendido – e a formulação
das suas Máximas Conversacionais associadas ao chamado
Princípio de Cooperação, que rege toda interação verbal).
a)
Teoria dos Atos da Fala de Austin
-
John
Austin foi um pioneiro nos estudos pragmáticos.
-
A
ideia central da Teoria dos Atos de Fala proposta por Austin pode
ser sintetizada da seguinte forma: a linguagem não somente serve
para descrever o mundo, também serve para fazer coisas.
Austin
estabeleceu uma distinção entre dois tipos de enunciados:
(1)
os assertivos, constatativos ou declarativos, que se caracterizam
porque podem ser avaliados como verdadeiros ou falsos;
Ex.:
O chão está molhado (pode ser avaliado como verdadeiro ou
falso).
(2)
e os performativos, que só podem ser avaliados segundo condições
de felicidade
(mas
não de acordo com as condições de verdade). Os performativos não
podem ser nem verdadeiros nem falsos, somente mais ou menos
afortunados.
Ex.:
Sim, prometo ser fiel (não pode ser avaliado como verdadeiro
ou falso).
Enunciados
performativos fazem exatamente o que o enunciado diz; no nosso
exemplo em (2), prometer alguma coisa. Nesses casos, dizer
é literalmente fazer. Temos no português uma longa lista
de verbos que funcionam como performativos explícitos, ou seja,
nomeiam a ação que se realiza precisamente quando é enunciada e
que só se realiza através da palavra. Alguns exemplos: jurar,
declarar, batizar, ordenar, rejeitar, concordar, repudiar
etc. Veja as frases a seguir:
(3)
Eu vos declaro marido e mulher.
(4)
Eu te batizo Maria Antonieta.
(5)
O júri declara o réu inocente.
(6)
Sim, aceito.
No
caso desses enunciados, como já dissemos, a noção de condições
de verdade (vinculada à correspondência entre a afirmação de
um estado de coisas e um estado de coisas determinado) é substituída
pela de condições de felicidade.
O
infortúnio de que estamos falando não provém de uma falta de
correspondência entre linguagem e verdade, mas da falta de
coincidência entre o que o enunciado diz e o que ele realmente faz.
Em
outras palavras, os performativos fazem o que dizem somente se são
utilizados pela pessoa certa, no momento certo e com o público
certo.
Posteriormente,
Austin revisou sua proposta e chegou à conclusão de que todas as
sentenças – mesmo aquelas que não contêm performativos
explícitos – servem para executar atos.
Por
exemplo, a frase O chão está molhado é uma afirmação,
embora o verbo afirmar não seja utilizado nela.
Podemos
estabelecer, assim, uma distinção entre significado
(o que as palavras dizem) e força do
enunciado (o que as palabras fazem).
Com
base nessa distinção teríamos três tipos de atos de fala (WILSON.
In: MARTELOTTA, 2008):
-
ato
locutório: é aquele que produz significado. Está centrado no
nível fonético, sintático e de referência, corresponde ao
conteúdo linguístico;
-
ato
ilocutório: está associado ao modo de dizer algo e ao modo
como esse dizer é recebido em função da força com que é
proferido. Corresponde ao ato efetuado ao se dizer algo (afirmar,
prometer, oferecer...);
-
ato
perlocutório: corresponde aos efeitos causados sobre o
interlocutor (influenciar, persuadir/convencer, causar
constrangimento etc.)
Podemos
afirmar que todo enunciado é um ato, um ato de fala. O fazer pelo
dizer é tão forte que certos enunciados constituem atos que
podem até alterar a situação social das pessoas envolvidas.
Essas
ideias batem de frente com o pressuposto da anterioridade da
existência do mundo em relação à linguagem, já que, como vimos
nos exemplos anteriores, algumas vezes, a linguagem cria novas
realidades, alterando assim um estado de coisas no mundo. Wilson
(2008) destaca que a teoria de Austin foi central na medida em que
abriu espaço para refl exão sobre o papel das convenções e
práticas sociais nos atos de fala que não eram, até então, uma
preocupação dos estudos linguísticos.
b)
Teoria de Grice
Para
Grice, a comunicação é um ato de fé, fé na linguagem, mas,
especialmente, em nosso interlocutor.
Quer
dizer, normalmente, numa situação comunicativa, temos confiança
tanto em interlocutores conhecidos ou familiares quanto em
desconhecidos e até hostis. Isso porque todos nós sabemos que, em
situações normais, qualquer desconhecido prestará atenção se
falarmos alguma coisa para ele. Sabemos também – talvez não
conscientemente – que
qualquer
interlocutor (amigo ou inimigo, conhecido ou desconhecido) tentará
entender o que pretendemos comunicar (embora o nível de esforço
feito possa variar em cada caso específico).
As
coisas são desse modo porque, segundo Grice, existe entre os
falantes um acordo implícito de colaboração na comunicação.
Grice chama esse acordo de Princípio da Cooperação.
Esse
princípio pode ser colocado de uma forma simples da seguinte
maneira: faça sua contribuição na conversação relevante,
atendendo ao que é solicitado, visando aos propósitos comuns e
imediatos (WILSON. In: MARTELOTTA, 2008).
Desse
princípio mais geral, resultam quatro máximas:
1)
Máxima de quantidade = seja informativo.
2)
Máxima de qualidade = seja verdadeiro.
3)
Máxima da relação = seja relevante.
4)
Máxima do modo = seja claro.
O
princípio de cooperação serve para explicar situações como a
apresentada em (10) que, de outro modo, estaria violando as máximas
de quantidade (coopere de modo a informar aquilo que está sendo
requerido) e relação (seja relevante na sua contribuição):
(10)
A:
Você vai na festa do Pedro amanhã?
B:
Amanhã é o aniversário de casamento dos meus pais. Vão fazer
bodas de ouro.
A
resposta de B poderia parecer inadequada, mas normalmente somos
capazes de fazer um tipo de inferência específi ca pela qual esse
enunciado faz sentido nesse contexto. No exemplo em (10), o falante B
não diz que não irá à festa de forma explícita, mas o
interlocutor certamente será capaz de compreender que esse enunciado
implica que B tem outro compromisso. A compreensão de uma conversa
como a apresentada em (10) depende do que Grice chama de
implicaturas.
Grice
distingue dois tipos principais de implicaturas: Convencionais
e Conversacionais.
(11)
Ana conseguiu passar no exame (implicatura convencional).
(12)
Eles são pobres, porém honrados (implicatura convencional).
Na
sentença em (11), a ideia de esforço ou dificuldade fica implícita
na expressão conseguir + verbo no infinitivo.
Em
(12), por sua vez, a conjunção porém indica o tipo de
relação que está sendo estabelecida entre as duas partes do
enunciado.
Como
toda implicatura, é um significado implícito, mas elas se
diferenciam das conversacionais no fato de que não requerem nenhum
contexto específico para sua interpretação, estão “coladas”
às construções linguísticas. Além disso, como são implicaturas
– e não implicações lógicas – não exercem nenhuma influência
sobre o valor de verdade da sentença em que aparecem.
Observe:
(13)
Ana passou no exame.
A
sentença em (13) tem o mesmo valor de verdade (verdadeiro OU falso)
que o enunciado em (11), ou seja, elas significam estritamente o
mesmo, mas em (11) há um signifi cado “extra” – algo do tipo
Ana teve que fazer um bom esforço para passar no exame –
mas que não afeta o fato básico de que, no fim das contas, ela
passou no exame.
Suponha
que A e B estejam conversando sobre um amigo comum, C, que está,
atualmente, trabalhando num banco. A pergunta a B como C está se
dando em seu emprego, e B responde: Olha, muito bem, eu acho...
ele gosta de seus colegas e ainda não foi preso. Chegado este
ponto, A precisa procurar o que B estava implicando, o que ele estava
sugerindo, ou até mesmo o que ele quis dizer ao dizer que C ainda
não tinha sido preso. A resposta poderia ser algo do tipo: “C é o
tipo de pessoa que tende a sucumbir às tentações provocadas por
sua ocupação”; ou “Os colegas de C são, na verdade, pessoas
muito desagradáveis e desleais”, e assim por diante. Naturalmente,
será desnecessário A fazer qualquer pergunta a B, pois a resposta,
no contexto, é antecipadamente clara.
As
ideias de Grice chamam a atenção para o fato de que, muitas vezes,
a compreensão de um enunciado depende de vários fatores
contextuais, dentre os quais a intencionalidade do falante e os
conhecimentos prévios dos participantes da situação comunicativa.
Outra questão que ganha relevância é o fato de que a comunicação
está governada por uma série de princípios ou regras implícitas
que organizam a interação verbal.
Atividade
de Aprendizagem:
1.
Quais diferenças você poderia apontar entre perspectivas
pragmáticas de estudos da linguagem, como as de Austin e Grice,
e as teorias linguísticas que você já conhece, como o
Estruturalismo e o Gerativismo?
2.
Com base na proposta de Austin, que classifi ca os atos de fala em
locutórios, ilocutórios e perlocutórios, identifique que tipo(s)
de ato(s) é/são realizados em cada uma das frases a seguir.
(1)
Mãos para cima! Isto é um assalto.
(2)
Parabéns para você!
(3)
Você deveria usar sempre roupas claras.
3.
Com base na proposta de Grice para os estudos linguísticos,
determine qual é o tipo de significado adicional implicatura
convencional ou conversacional) presente em cada uma das sentenças a
seguir:
(1)
Luisa é italiana, portanto, é elegante.
(2)
A: Você aceita um sorvete?
B:
Estou de dieta.
(3)
A: Você aceita um sorvete?
B:
Estou ficando gorda.
4)
Pedro não é inteligente, mas é muito esforçado.
5)
Mariana parou de fumar.
6)
A: O candidato é bom?
B:
Ele tem uma ótima caligrafia.
7)
A: O namorado da Patrícia é lindo?
B:
Olha, até que ele não é feio.
Conclusão:
o que precisamos compreender é que grande parte dos
estudos linguísticos que se desenvolvem a partir da década de 1960
trazem para o estudo da linguagem a proposta de olhar para o fenômeno
linguístico a partir de seu funcionamento, em oposição aos estudos
que predominaram durante a primeira metade do século XX, e que
tinham como foco a forma da língua.
4)
A Dicotomia Formalismo e Funcionalismo
A
disputa entre perspectivas formalistas e funcionalistas nos estudos
da linguagem pode ser sintetizada como uma questão centrada na
proeminência que os conceitos de forma
e função recebem
em cada caso.
A
Metáfora
de Borges Neto:
Segundo
Borges Neto (2004), para um funcionalista, a lâmina do machado tem a
forma que a caracteriza porque está destinada à tarefa de cortar
madeira. Seguindo com essa metáfora, o raciocínio seria o seguinte:
um dos nossos ancentrais primatas um dia procurou um objeto que
fosse
adequado para uma dada tarefa. Achou uma pedra com forma de cunha,
concluiu que seria adequada e criou o primeiro machado (sem
cabo,
como os da imagem a seguir). Aos poucos, esse primeiro machado foi
sendo melhorado.
Já
um formalista diria que a função da lâmina é determinada pela sua
forma. Em outras palavras, é por ter forma de cunha que o machado
serve para cortar madeira. Em função dessa forma, a lâmina também
serviria para segurar uma porta, evitando que o vento a fi zesse
bater. Desta vez, o raciocínio seria: um dia, manipulando diversas
pedras, o nosso ancestral reparou que aquelas com forma de cunha –
que não eram boas para quebrar frutos duros ou moer sementes, por
exemplo – poderiam ser úteis para cortar pedaços de madeira.
No
primeiro caso, a função veio antes que a forma; no segundo a forma
orientou a função.
a) Considerações sobre as
diversas vertentes do Funcionalismo:
-
Os
desenvolvimentos atuais da linguística funcionalista contam entre
seus antecedentes teóricos mais importantes com a Fonologia de
Praga, com a proposta das três funções básicas da linguagem
realizada por Bülher (representativa ou referencial, de
manifestação psíquica e conativa ou apelativa) e a posterior
ampliação feita por Roman Jakobson, a qual você já estudou na
Linguística I.
-
Nos
EUA, um movimento importante surgiu na Califórnia nos anos 1970, a
partir do trabalho desenvolvido por um grupo que inclui Talmi Givón,
Charles Li, Sandra Thompson, Wallace Chafe, Paul Hopper, dentre
outros.
-
Em
Buffalo, criou-se em torno de Van Valin uma outra corrente
funcionalista, chamada “Gramática de papel e de referência”
(Role and reference grammar).
-
Lakoff
e Langacker são os centros de uma corrente de orientação
funcional-cognitiva formada em Berkeley (GORETTI PEZZATTI, 2004).
-
Moura
Neves (1997) destaca que é possível distinguir entre modelos
funcionalistas conservadores, moderados e extremados. O
primeiro tipo se defi ne pelo fato de que aponta a inadequação do
formalismo ou estruturalismo, mas sem propor uma análise da
estrutura (o trabalho de Susumo Kumo se enquadraria, segundo a
autora, nessa classificação). O tipo moderado não apenas aponta
para essa inadequação, mas vai além e propõe uma análise
funcionalista da estrutura (as propostas de Dik, Halliday e Van
Valin podem ser considerados exemplos desta perspectiva). Por
último, o funcionalismo extremado nega a realidade da estrutura
como tal e considera que as regras se baseiam internamente na
função, não havendo assim restrições sintáticas (Sandra
Thompson e Talmi Givón são considerados como representantes dessa
linha).
-
Provavelmente,
existem tantas versões do funcionalismo quantos linguistas que se
chamam de funcionalistas – denominação que abrange desde os que
simplesmente rejeitam o formalismo até os que criam uma teoria
própria. Nesse sentido, Elizabeth Bates disse – numa afirmação
considerada bastante polêmica – que “o funcionalismo é como o
Protestantismo: um grupo de seitas antagônicas que concordam
somente na rejeição à autoridade do Papa”.
b)
Convergências entre as diversas vertentes de Funcionalismo:
-
Todo
funcionalista assume o postulado da não autonomia; isto é,
a língua (a gramática) não pode ser descrita como um sistema
autônomo, já que deve ser entendida com referência a parâmetros,
tais como: cognição e comunicação, processamento mental,
interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e
evolução (GIVÓN, 1995 apud MARTELOTTA & KENEDY, 2003).
-
Postula
que a linguagem humana seja vista basicamente como um instrumento de
interação social, utilizado para estabelecer comunicação.
-
A
hipótese fundamental é que o uso da língua, ou seja, a
comunicação em situações sociais, origina a forma da língua,
com as características que lhe são próprias (VOTRE & NATO,
1989). Essa ideia supõe entender a língua como um objeto maleável,
probabilístico e não determinístico. A estrutura (ou forma da
língua) é, nessa visão, uma variável dependente, resultante de
regularidades das situações de fala. A estrutura é, portanto,
derivada. Daí que os funcionalistas considerem que a
estrutura só pode ser explicada levando em conta a comunicação.
c)
Convergências entre as diversas vertentes de Funcionalismo Segundo
Givón (1995 apud MARTELLOTTA & KENEDY, 2003):
-
-
A linguagem é uma atividade sociocultural.
-
-
A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas.
-
-
A estrutura é não arbitrária, motivada e icônica.
-
-
Mudança e variação estão sempre presentes.
-
-
O sentido é contextualmente dependente e não atômico.
-
-
As categorias não são discretas.
-
-
A estrutura é maleável e não rígida.
-
-
As gramáticas são emergentes.
-
-
As regras da gramática permitem algumas exceções.
d)
Considerações sobre o Formalismo:
-
Pires
de Oliveira (2004) aponta que o metatermo formal e seus
correlatos ensejam várias linhas de pensamento na Linguística
contemporânea.
-
Embora
o Estruturalismo também seja considerado como um defensor da forma
(vale lembrar aqui da famosa afirmação de Saussure segundo a
qual “a língua é forma, e não substância”), é com relação
à Teoria Gerativa que a disputa formalismo/funcionalismo encontra
seu local privilegiado.
-
Nesse
sentido, Halliday (apud MOURA NEVES, 1997, p. 39) considera que a
tradição formal tem como principais representantes os nomes
de Bloomfield e Chomsky.
-
Segundo
Borges Neto (2004), a perspectiva formalista pode ser caracterizada
pela priorização que dá ao estudo da linguagem humana entendido
enquanto uma linguagem. Isto é, como um conjunto de formas
que se relacionam entre si numa sintaxe, que se vinculam com objetos
do mundo numa semântica e que servem para que os falantes expressem
significados.
-
No
caso da Teoria Gerativa, o objeto de estudo proposto é a a
competência linguística, ou seja, o conhecimento da língua (as
intuições do falante) atingido e internamente representado na
mente/cérebro (CHOMSKY, 1986, p. 43).
-
A
língua assim definida é um objeto autônomo que preexiste aos
dados. Já o desempenho, ou seja, o uso individual do conhecimento
linguístico em situações de fala concretas está fora do
interesse gerativista, assim como a parole ficou fora do
interesse de Saussure.
e)
Diferenciação entre Formalismo e Funcionalismo:
-
O
formalismo priorizaria a análise das formas linguísticas enquanto
que o funcionalismo daria prioridade à relação entre essas formas
e as funções que desempenham no processo da comunicação (BORGES
NETO, 2004).
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De
acordo com Dillinger (1991), enquanto o formalismo se refere ao
estudo das formas linguísticas, o funcionalismo se refere ao estudo
do significado e do uso das formas linguísticas em atos
comunicativos. Em outras palavras, o formalismo vê a língua como
um sistema autônomo enquanto o funcionalismo vê a língua como um
sistema não autônomo inserido em um contexto de interação
social.
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Os
funcionalistas criticam o formalismo pelo fato de os formalistas
estudarem a língua como um objeto descontextualizado, sem levar em
consideração os falantes-ouvintes e as circunstâncias nas quais a
língua é usada. Para os funcionalistas, a língua não pode ser
desvinculada de suas relações com as diversas maneiras de
interação social.
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Os
formalistas criticam o funcionalismo pelo fato de ele incluir, nos
seus estudos, fenômenos psicológicos e sociológicos, o que fere o
princípio da autonomia da Linguística em relação às outras
ciências.
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Estudar
fenômenos linguísticos dentro do próprio sistema da língua foi a
maneira que os formalistas encontraram de dar cientificidade e
autonomia à Linguística. Nesse sentido, os fenômenos psicológicos
e sociais que estejam relacionados com os fenômenos linguísticos
devem ser abordados pela Psicologia e pela Sociologia (AMARAL
OLIVEIRA, 2003).
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Com
relação a isso, Kato (1998) destaca que uma das principais
distinções que Leech faz entre formalistas e funcionalistas é a
de que os primeiros tendem a encarar a linguagem essencialmente como
um fenômeno mental e os segundos, como um fenômeno social.
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Pires
de Oliveira (2004) salienta que, na Linguística atual, a diferença
entre os programas teóricos gerativista (identifi cado como
formalista) e funcionalista tem sido tratada como uma questão sem
posições intermediárias, apesar de existir alguns intentos de
conciliação (temos, por exemplo, os textos de Kato, 1998, e de
Amaral Oliveira, 2003).
Atividade
de Aprendizagem:
Identifique
3 diferenças que considere cruciais entre as perspectivas
funcionalista e formalista nos estudos da linguagem.